Teatro rodoviário

Antes de se atirarem às filhoses e ao bolo-rei, as nomenclaturas de Viseu do PS e do PSD produziram dois comunicados de imprensa (embora o PS-Viseu, embebido em modernidade, tenha designado o seu como "Press Release"). Já depois das filhoses, outro heterónimo do PSD saiu-se ainda com mais um comunicado.

Tema dos três textos: "investimentos rodoviários". O pré-natalício do PS pode ser lido aqui; o pré-natalício do PSD pode ser lido aqui; o pós-natalício do PSD pode ser lido aqui

Pretexto para os três textos: o novo "Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas (PETI3+)".

Estamos perante o costume: os nossos políticos continuam a ter "sonhos húmidos" com o alcatrão.


Pensamento sobre o centralismo que esmaga este distrito do interior, nada!;

pensamento sobre a carga fiscal que esmaga as empresas e as pessoas, isso-é-que-era-bom!;

pensamento sobre a redução da despesa pública, está-quieto-que-isso-tira-me-votos!;

pensamento sobre investimento reprodutivo em bens transaccionáveis, isso-é-problema-das-empresas.

Já quando toca a alcatrão ninguém cala os políticos — os do topo almoçam com as motas-engis, os do meio da tabela não são capazes de pensar fora deste caldo de cultura.

Passado o sufoco maior decorrente da bancarrota de 2011, regressámos à mesma conversa.

Não é difícil de adivinhar o assunto forte das próximas sessões das assembleias e das câmaras municipais e das concelhias partidárias — vamos ter uma overdose de PETI3+.

O PS-Viseu abriu as hostilidades, com o seu "Press Release", apresentando uma lista de "investimentos prioritários" em estradas:
(i) Viseu – Coimbra;
(i) o IC12;
(iii) Viseu — Nelas;
(iv) Viseu — Sátão;
(v) IC 26 — ligação de Lamego, Tarouca, Moimenta da Beira, Sernancelhe e Penedono à A25 e ao IP2;
(vi) ligação S. João da Pesqueira, Tabuaço e Armamar à A24 no nó de Valdigem, incluindo a ligação do nó de Barcos, em Tabuaço, ao IC 26 em Moimenta da Beira;
(vii) o troço Cinfães – Marco da EN211 na ligação à A4;
(viii) a EN 222-2, servindo Resende com ligação à A24 e à A4, com intersecção na Ponte da Ermida.

Com tantos "investimentos prioritários" percebe-se que não há aqui prioridade nenhuma. Não vem daí mal ao mundo, embora, num partido com vocação de poder, cause perplexidade um discurso tão nefelibata.

Há, contudo, uma omissão grave no texto subscrito por António Borges, o presidente da Federação Socialista do PS-Viseu. Não há nenhuma referência ao maior risco que corre o sul do distrito nesta matéria. A saber: que o IP3 seja destruído, no todo ou em parte, para lhe fazerem uma auto-estrada portajada em cima.

Já o PSD pré-natalício na resposta ao PS não foge ao assunto: "a Comissão Política de Secção do PSD de Viseu define como prioritário a manutenção do IP3 como via alternativa segura e de qualidade, devendo-se assegurar a sua manutenção e requalificação, bem como, evitar “o risco de Viseu ficar cercada por portagens”.

E acrescenta: “não devemos reincidir no erro cometido com a IP5, onde depois da duplicação e transformação na actual A25, foram aplicadas portagens”.

Para terminar, resta referir que nestas tomadas de posição política do PS e do PSD há uma "adversariedade" que soa a falso — dá a impressão de estarmos perante um teatro. E fracote.

Como o eleitorado está a fugir dos "partidos do arco da corrupção", é elevada a probabilidade de os subscritores destes textos tão crispados estarem, no próximo outono depois das eleições legislativas que os vai deixar longe da maioria, coligados num governo de bloco central.

Quando chegar o momento, a haver alguma crispação entre as distritais do centrão será unicamente sobre tachos, perdão!, sobre lugares de nomeação política.

Comentários

  1. Teatro rodoviário

    No fim de ler o post com o título “Teatro rodoviário”, lembrei-me do saudoso programa da Emissora Nacional – “Teatro das Comédias”. Estávamos nos inícios dos anos sessenta e a melhor forma de terminar um domingo (noite) era escutar/imaginar/viajar pelas peças de que Gil Vicente, Molière, Shakespeare, Goldoni e outros. Grandes actores, magníficas dicções e um sorriso gaiteiro e juvenil a escutar a rádio.

    No fim de ler o excelente texto do sr Gato, também não pude deixar de fazer um sorriso, agora já gasto pelo tempo e muito descrente com os actores.

    E nas preocupações do sr Gato há uma que já está com uma gataria a lamber os beiços: o IP3 vai ser destruído, no todo ou em parte, para lhe fazerem uma auto-estrada portajada em cima. Trigo limpo, Farinha Amparo, como era costume dizer-se. Não tenho fé em nenhuma outra alternativa. Que o tempo se encarregue de me mostrar que estou errado…

    Mudam os actores principais mas as ideias são sempre as básicas!

    Todas as questões colocadas pelo sr Gato são um programa político e para uma capital de distrito que deveria auto questionar-se: e agora que caminho tomo? Passados os anos do betão e do cimento, que coordenada devo seguir? Certamente que por omissão minha não tenho estado atento aos inúmeros encontros, debates, sessões, em que esta questão tenha sido estudada e discutida, mas como cidadão ainda não visualizei os efeitos dessas mirificas propostas.

    O texto do sr Gato traduz a sua bondade e inabaláveis convicções na expectativa de um debate e construção de alternativas. Mas, não o posso acompanhar nas suas esperanças, 'limito-me' a acompanhar na decisão de não me vergar. Francamente, já nem tenho grande vontade de ficar muito tempo para assistir à abjecção para onde se caminha, com a cumplicidade ou desejo da maioria das pessoas dirigentes do centrão local.

    Já não encontro explicação política para o comportamento mais ou menos generalizado e globalizado da degradação continuada. Perfilho - sou obrigado a fazê-lo - a tese grega das idades em declínio. Já não me servem explicações sobre a alienação, porque os que o são fazem-no por opção. Isto já nem à luz da sociologia, só da antropologia da "involução desta espécie"!

    Termino citando o sr Gato: “Quando chegar o momento, a haver alguma crispação entre as distritais do centrão será unicamente sobre tachos, perdão!, sobre lugares de nomeação política.”

    E ainda, mesmo a acabar: "isto vai! isto avança! [...] as pessoas... são burras!" (beckett, 'end game').

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