Em simulacro: os anjos

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Mas como navegar em tempo branco
ou rio de uma só margem?
Não há água possível de apagar o sol,
nem voz capaz de amedrontar
esses anjos maiores

Mas não são eles
que desejo aqui,
não me cantam os anjos de Rilke,
nem os anjos de Klee,
só o resto talvez encantará

Nesse resto te quis,
despojo de anjo, asas cortadas,
rasgado em branco, o branco
transformado em roxo cor de morte,
como o amor e a morte
aí vacilam

Noutra língua recuso-me a falar,
nesta tela recuso-me a pintar,
nestas cores —
nunca esboçando um anjo
pintado a inocência

Na iminência de te ter amado,
sonho-te: asas cortadas,
tudo o mais rasgado
nas dobras do mais alto do poema,
nas dobras da pintura,
fotografia a preto e branco

Rasgar-te-ei a branco,
serás moldura horizontal,
desagregada.
Braços, asas abertas,
algum dourado em torno,
mas gesto e desviada: a cor

Em torno da mudança tornarei,
sem dizer “meu amor”,
que a língua em que falei
vivia em melodia,
mas não esta —

E sob a minha pele,
aí estiveste, anjo desagregado
e sem guitarra,
varrendo lentamente o céu das
outras mãos

Sem corpo agora,
sem asas,
sem o conforto que a poesia traz,
mesmo que na memória,
ou no sonhado, serás:
um anjo condenado ao paraíso,
sem licença nem bênção do inferno

A ti amei:
imagem,
simulacro nem de mim

O resto:
um intervalo —
Ana Luísa Amaral


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