Nostalgia*

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro



1. Há 30 anos, Viseu não tinha teatro. O velho Teatro Avenida, o “Coliseu das Beiras” na avenida Emídio Navarro, tinha sido demolido. Mais acima na mesma avenida, o Viriato virara armazém de pesticidas.

Há 30 anos, Viseu não tinha um teatro mas tinha um presidente de câmara com visão. Engrácia Carrilho estava sintonizado com a ideia do encenador Ricardo Pais: um teatro é um “sinal exterior de riqueza de espírito” imprescindível a uma cidade.

Então, o concelho de Viseu tinha problemas enormes (por exemplo, a água falhava sistematicamente no Verão) e gastar dinheiro em cultura era coisa mal vista. Engrácia Carrilho e Ricardo Pais, para tornearem esta hostilidade, antes da construção do teatro tiveram que construir a saudade do teatro. Na segunda metade dos anos de 1980, multiplicaram-se exposições, publicações, comunicações, tudo a lembrar os “bons velhos tempos” do Theatro Boa União.

O combustível que conseguiu devolver um teatro a Viseu foi um e só um – a nostalgia.


Fotografia Olho de Gato
2. Em Mangualde acaba de acontecer um processo parecido: apesar de, agora, haver dinheiros europeus que permitiriam uma obra nova, de raiz, com mais funcionalidade, a câmara de Mangualde decidiu-se pela recuperação do seu velho cineteatro, encerrado desde 1984.

João Azevedo optou, também ele, por construir a nostalgia do velho Cineteatro Império. Para o anúncio do projecto, contou até com o ministro da cultura, João Soares. O “ministro dos patrocínios morais” — designação cunhada aqui neste jornal por Rui Macário Ribeiro — não deu nem um cêntimo para a obra mas lá esteve, cheio de nostalgia, a gabar aquela arquitectura de Francisco Keil do Amaral.

Com a informação pública disponível, não é possível dizer se a opção “nostálgica” é preferível à opção “obra nova”. Já os 1,2 milhões de euros consignados a esta reconstrução são, evidentemente, insuficientes. João Azevedo, um bom presidente de câmara, vai ter de arranjar mais financiamento.

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