Espírito artesanal*

* Hoje no Jornal do Centro


1. Mark Mitchell precisou de sete mil horas para retirar a rocha que envolvia o fóssil de 110 milhões de anos de um nodossauro. Este técnico do museu Royal Tyrrell, depois de um trabalho meticuloso, deixou à mostra um herbívoro impressionante, de cinco metros e meio de comprimento, extremamente bem conservado.

Credit: Courtesy of the Royal Tyrrell Museum of Palaeontology,
Drumheller, Canada
Este fóssil, achado numa mina de Alberta, e depois intervencionado no museu de paleontologia daquela província canadiana, tinha até pigmentos da pele e das escamas. O título da notícia da New Atlas — “Fóssil de dinossauro 'a dormir' tão bem preservado que ainda tem pele e escamas” — diz tudo acerca da qualidade daquela “estátua” que vai ser uma estrela daquele museu.

Esta espécie de dinossauro não era conhecida e foi baptizada de Borealopelta markmitchelli em homenagem à dedicação e ao trabalho incansável de Mark Mitchel.

Há aqui uma linha de tempo verdadeiramente excepcional — a uma fossilização hiper-rápida do animal, seguiram-se milhões e milhões de anos de sossego tectónico que o deixou intacto. Depois, a intervenção humana foi, toda ela, virtuosa: em 2011, um operador de máquinas consciencioso sabia o que andava a fazer no fundo de uma mina, e, a seguir, um competente Mark Mitchell dedicou cinco anos e meio da sua vida a este trabalho.

2. Como explica Richard Sennett, em “A Cultura do Novo Capitalismo”, só há uma maneira de tentar resistir ao “espectro da inutilidade” decorrente da gestão mundial da mão-de-obra, do envelhecimento e da automação: é através do “espírito artesanal”, é através do singelo e tão humano “fazer as coisas bem feitas pelo prazer de fazer as coisas bem feitas.”

Nunca nenhum robô fará o trabalho de Mark Mitchell, ou, para dar um exemplo local, nunca nenhum robô fará algo como o magnífico tapete perfumado que Rosi Avelar e Maria João Castro instalaram nos Jardins Efémeros deste ano.

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